domingo, 5 de abril de 2009

A proposta de revisão do Plano Diretor é benéfica para a cidade de São Paulo?

 São Paulo, sábado, 04 de abril de 2009 - Opinião

TENDÊNCIAS/DEBATES

A proposta de revisão do Plano Diretor é benéfica para a cidade de São Paulo?

NÃO

Em defesa do planejamento

NABIL BONDUKI

O PROJETO de lei encaminhado pela prefeitura à Câmara Municipal não é uma revisão, mas uma alteração ilegal do Plano Diretor Estratégico (PDE). Se levado adiante como está, irá mutilar o mais importante instrumento de ordenamento territorial do município, ameaçando jogar por terra o esforço feito para criar um processo ordenado de planejamento urbano na maior cidade do país. Ademais, será criado um processo que gera enormes incertezas na regulação urbanística de São Paulo.
O PDE, aprovado em 2002 com unanimidade pela Câmara Municipal após um acordo pactuado por todos os segmentos da sociedade, criou um processo contínuo e descentralizado de planejamento, iniciado com os planos regionais das subprefeituras, construídos de forma participativa em 2.000 oficinas.
Em vez de implementar o PDE para que, em dez anos, a cidade tivesse alterado seu modelo de urbanização, a prefeitura quer alterar, de forma ilegal, seus objetivos e diretrizes, sob o argumento de que pode mudar a qualquer tempo qualquer um dos seus artigos. É o antiplanejamento. A ilegalidade mais evidente é a desobediência ao artigo 293, que estabelece que a revisão se limita à redefinição das ações estratégicas e à inclusão de novas áreas para a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade. Diretrizes e objetivos estruturais não podem ser alterados na vigência do plano, ou seja, até 2012.
As razões são óbvias: a Constituição, no artigo 182, estabelece que o Plano Diretor é "o instrumento básico de desenvolvimento urbano" para garantir o planejamento de longo prazo, que deve atravessar várias gestões; seus objetivos não podem ser mudados a cada nova administração, sob risco de gerar um "ziguezague" que inviabilize alcançar os objetivos. Ele precisa ter estabilidade, com a continuidade das políticas públicas.
Por isso foi construído e pactuado com todos os segmentos sociais. A revisão foi prevista para que cada administração, dentro de um rumo geral, introduza ações (programas, projetos e obras) compatíveis com seu programa de governo, desde que não contrariem os objetivos gerais. Não é o que ocorre com a proposta que tramita no Legislativo. O Executivo enviou uma colcha de retalhos que, em vez de rever, mutilou o PDE.
Ignorando que as políticas sociais não podem estar desvinculadas das políticas urbanas, foi eliminado o capítulo que trata do desenvolvimento econômico e social, excluindo os objetivos relacionados à educação, à cultura, ao turismo, à saúde etc. Foram suprimidas ainda as macroáreas, que relacionavam as diretrizes urbanísticas com o território, dando lógica para a aplicação dos instrumentos legais.
Com isso, foram eliminadas as referências territoriais para orientar o processo de planejamento, eliminando a relação entre cada parte do território da cidade e as diretrizes de estruturação urbana. Muitas outras modificações estão dispersas pelo texto, ficando difícil identificá-las -ainda mais porque foram introduzidas sem um efetivo processo participativo.
Aqui reside outra ilegalidade: a "revisão" foi elaborada sem a participação da sociedade, ao contrário do que determinam a Lei Orgânica do Município, o Estatuto da Cidade e o Conselho Nacional das Cidades. A mera realização de audiências públicas -na verdade, apresentações do poder público seguidas de restrita manifestação oral dos presentes- não caracteriza um processo de participação capaz de legitimar alterações tão substanciais como as que foram feitas. Se prevalecer a tese absurda de que o PDE pode ser alterado em todos os seus aspectos a qualquer tempo, sem participação da sociedade, estaremos destruindo a própria concepção de planejamento e rompendo o acordo que gerou a aprovação do Plano Diretor em 2002.
Além das modificações já propostas, qualquer artigo dessa lei poderá ser alterado, instaurando uma instabilidade jurídica de resultados imprevisíveis. Nossa cidade -já tão sofrida- estará em risco. Por essas razões, 140 entidades da sociedade civil, preocupadas com o futuro de São Paulo e com a implementação do seu Plano Diretor Estratégico, esperam que esse processo ilegal de revisão seja paralisado.

NABIL BONDUKI, 54, é arquiteto e professor de planejamento urbano na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Ex-vereador de São Paulo pelo PT (2001-2004), foi relator do Plano Diretor Estratégico na Câmara Municipal.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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SIM

Se é possível aprimorá-lo, por que não?

MIGUEL LUIZ BUCALEM

UMA CIDADE dinâmica e complexa como São Paulo precisa ter seu instrumento de planejamento estratégico atualizado e aprimorado periodicamente. Tanto assim que o Plano Diretor Estratégico, aprovado em 2002, estabeleceu em seu artigo 293 a obrigação legal de que ele deveria ser revisto em 2006.
Seria inadmissível, sob qualquer pretexto, simplesmente impedir a revisão do plano diretor, pois isso equivale a retirar o direito da sociedade civil paulistana de discutir democraticamente e aperfeiçoar os mecanismos para lidar com os novos e crescentes desafios de nossa metrópole. O objetivo da revisão é aperfeiçoar as políticas para as áreas cujas realidades sofreram as maiores mudanças, além de rever as ações estratégicas e dar mais foco e operacionalidade ao plano como instrumento de política urbana e de controle do desenvolvimento do município, como preconizado pelo Estatuto da Cidade e pela Constituição. Com isso, a proposta de revisão procura estabelecer os ajustes necessários, não buscando recriar o Plano Diretor de 2002.
Questão importantíssima na pauta prioritária de todas as grandes metrópoles, as mudanças climáticas e o controle da emissão dos gases de efeito estufa não estão contemplados no plano atual. Por si só, esse aprimoramento já justifica a revisão proposta. Na política ambiental, além das proposições ligadas à mitigação das mudanças climáticas, introduz-se o conceito de compensação por serviços ambientais e de mecanismos indutores de consumo sustentável e de busca de eficiência energética.
São Paulo transformou-se de fato em cidade global e, por isso, tem de lidar com o incremento dos fluxos de pessoas, informações, bens e serviços, exigindo uma abordagem sistêmica baseada em conceitos de logística urbana, considerando as articulações metropolitanas e regionais. Na política de circulação viária e de transportes, é proposto o Sistema Viário Estratégico, que corresponde a um subconjunto do sistema viário do município e que deverá ser dotado de características físicas e operacionais diferenciadas, tirando forte partido da telemática, de forma a maximizar a fluidez e a segurança do trânsito e do transporte público coletivo.
Propõem-se ainda diretrizes para a implantação de uma rede de plataformas logísticas e de centros de distribuição, hierarquizada e funcionalmente articulada, de forma a melhor disciplinar os fluxos de carga na cidade. Reafirma-se a priorização do transporte público coletivo sobre o individual e é proposta a expansão da rede de corredores de ônibus, planejada em consonância com expansões projetadas das redes sobre trilhos do Metrô e da CPTM.
A população da região metropolitana de São Paulo cresce por volta de 1% ao ano, e a atividade econômica, na ordem de 3,5%, gerando uma necessidade de produção imobiliária para usos residenciais e não residenciais. É um desafio induzir a localização das novas habitações e dos novos empregos de forma a obter uma distribuição espacial mais equilibrada, aproximando emprego e moradia, e propiciar condições para um desenvolvimento sustentável.
A proposta de revisão mantém as operações urbanas consorciadas e as áreas de intervenção urbana como áreas potenciais para intervenções planejadas e busca aprimorar sua disciplina de forma a garantir que o desenvolvimento imobiliário não ocorra nessas áreas -maduras para transformação- de forma desordenada, perdendo o poder público a oportunidade de induzir melhorias urbanísticas, de mobilidade e ambientais. É oportuno mencionar que o Plano Diretor, por seu caráter estratégico, está relacionado às questões mais gerais do ordenamento da cidade, tais como as diretrizes e os instrumentos urbanísticos, não dispondo sobre temas específicos como o zoneamento da cidade, os perímetros das zonas especiais de interesse social e os estoques de potencial construtivo adicional.
Tais assuntos, que fazem parte de lei complementar ao Plano Diretor, não estão em discussão na proposta apresentada.

MIGUEL LUIZ BUCALEM, doutor em engenharia pelo Massachusetts Institute of Technology (EUA) e professor titular da Escola Politécnica da USP, é secretário municipal de Desenvolvimento Urbano de São Paulo.


Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

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