quarta-feira, 18 de março de 2009

Concessões Urbanísticas - Pacote para Presente

Folha de São Paulo

São Paulo, segunda-feira, 17 de setembro de 2007

GUILHERME WISNIK

Pacote pra presente

Ao entregar a Luz para o mercado imobiliário, prefeitura abdica de arbitrar a sua transformação

PARA o mês que vem, a prefeitura anuncia o início de uma das maiores operações imobiliárias da história de São Paulo: a desapropriação e demolição de uma grande área no bairro da Luz, estigmatizada pelo apelido de cracolândia. Com aproximadamente dez quarteirões, o conjunto será licitado como se fosse um lote único, sendo já disputado por dois grandes grupos: a construtora Odebrecht e um pool de empresas liderado pela incorporadora Company S. A.
Entregando o bairro inteiramente para o mercado imobiliário, a prefeitura abdica de qualquer regulação arbitrada de sua transformação, rifando a idéia de uma política social e urbanística de interesse coletivo.
Em outras palavras, terceiriza a expulsão dos moradores dos inúmeros cortiços e ocupações de sem-teto da região, evitando o desgaste decorrente desses enfrentamentos. E, de quebra, promete "superar" um dos maiores entraves ao sucesso da operação: as diretrizes do Plano Diretor que fixam Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) na região. Concessão social que, evidentemente, não figura nos planos dos inves- tidores.
Como fica claro, a ação é de uma desfaçatez escancarada, coroando a política de "revitalização" da área que vem sendo posta em prática pelo poder público desde a década de 90. Mas apagando, contudo, toda a ilusão "civilizatória" que esta parecia conter. Sim, pois quando a Sala São Paulo foi inaugurada, ao som da "Ressurreição", de Mahler, o orgulhoso secretário da Cultura Marcos Mendonça anunciava os novos investimentos culturais na região como âncoras de uma retomada do centro por elites e classes médias ilustradas. Enclave em meio a um entorno degradado, a sala firmava um modelo que deveria servir de atração para novos investimentos, resgatando a feição outrora "glamourosa" dos Campos Elíseos. No entanto, a atual entrega do bairro como um pacote fechado para a iniciativa privada revela uma nítida desistência daquela transformação lenta e orquestrada, ao mesmo tempo que confirma os pressupostos econômicos daquelas "parcerias público-privadas".
Perde-se, com isso, a chance histórica de realizar uma discussão pública efetiva sobre a distribuição espacial da riqueza em São Paulo, levando em conta a vocação eminentemente popular das áreas centrais, reforçada pela transformação da Luz em principal articulação de transporte da cidade, com a construção da linha quatro do metrô. Além disso, deixa-se um precedente sinistro para a transformação futura de bairros com configuração semelhante, como o Brás e a Barra Funda.
A idéia de tratar uma vasta área como lote único, para efeito de projeto, não é má em si. Ao contrário, se conduzida por um plano embasado em políticas sociais consistentes, é o melhor modo de se evitar o particularismo das soluções fragmentadas, garantindo-lhe coesão de princípios. Infelizmente, no entanto, não parece ser este o caso. Trata-se, sim, de um pacote com embrulho de presente para construtoras e empreiteiras, com os melhores votos de lucro e prosperidade.

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